DRA. ROBERTA AMARAL DA SILVA – GASTROENTEROLOGISTA

Alguma vez você já teve uma dor na barriga intensa, tipo cólica? Uma desagradável situação, em que a barriga incha de uma hora para outra. Você imagina estar tendo algo muito sério, mas, de repente, após ir ao banheiro ou o passar de algumas horas, tudo volta a ser como era antes, como se nada tivesse acontecido!  

Então, se a sua resposta for sim, há uma grande possibilidade de ser a famigerada SÍNDROME DO INTESTINO IRRITÁVEL.

PESSOA PASSANDO A MÃO NA BARRIGA

Síndrome do Intestino Irritável (SII), ou popularmente chamada de intestino irritado ou “colite nervosa”, trata-se de um distúrbio gastrointestinal funcional crônico e recorrente, não raras vezes incapacitante.

 O paciente pode apresentar dor ou desconforto abdominal associado a mudanças do hábito intestinal, tanto em sua frequência quanto em sua consistência fecal (diarreia ou fezes muito endurecidas), sem que tenha alterações plausíveis nos exames de sangue, nas endoscopias ou de imagens (ultrassonografias ou tomografias).

Com o advento das descobertas das inúmeras funções de nossa microbiota intestinal, população de bactérias, vírus e fungos que vivem de forma harmoniosa e benéfica na camada epitelial que reveste nosso trato gastrointestinal, e suas interações com outros órgãos, principalmente o cérebro, fez com que especialistas na área da gastroenterologia considerassem os distúrbios funcionais gastrointestinais parte de uma série de disfunções do sistema “EIXO CEREBRO – INTESTINO”.

Qualquer pessoa pode apresentar essa síndrome, em qualquer fase da vida. Contudo, a prevalência é maior entre mulheres.

Após vários anos de estudo na área e de vários consensos estabelecidos por especialistas de todo o mundo, atualmente existem critérios de diagnóstico baseados basicamente nos sintomas: os Critérios de ROMA.

A Fundação de ROMA é uma instituição sem fins lucrativos de apoio à pesquisa sobre os distúrbios de interação entre intestino e cérebro, antigamente denominados distúrbios funcionais. Em 2016, foram criados os Critérios de Roma IV, provenientes de uma série evolutiva do CRITÉRIO DE ROMA.

Tais critérios são um conjunto de sintomas que fecham o diagnóstico de doenças funcionais, que neste artigo será dada ênfase à SII.

Então, vamos lá!

Os sintomas da SII devem ter iniciado há pelo menos 6 meses e intensificado nos últimos 3 meses, com frequência semanal, pelo menos uma vez por semana, dos seguintes sintomas:

MULHER COM DOR DE BARRIGA

                                         

  • Dor abdominal de intensidade variável (leve a intensa).
  • Alteração da frequência evacuatória, várias idas ao banheiro (com saída ou não de conteúdo) ou dias com intestino preso.
  • Alteração da consistência fecal; diarreia ou padrão de intestino lento. 
  • Melhora ou não da dor após ato evacuatório.
IMAGEM INDICANDO LOCALIZAÇÃO DE BANHEIRO

Outros sintomas, como inchaço ou distensão abdominal, e gases intestinais, podem ou não estar presentes durante as crises de dor abdominal.

Primeiramente, passar por uma consulta com um gastroenterologista para avaliação dos sintomas é de suma importância. Existem doenças que se sobrepõem ou mimetizam a Síndrome do Intestino Irritável.  

Intolerâncias a lactose, frutose, frutanos (carboidratos presentes no trigo e cevada), trigo e oligossacarídeos são distúrbios de má digestão a carboidratos por diminuição ou até ausência de certas enzimas digestivas, levando a sintomas como inchaço abdominal, gases e por vezes dores. Tais sintomas também podem coexistir com a Síndrome do Intestino Irritável (SII). 

Outras doenças mais complexas podem ter sintomas semelhantes, como a doença celíaca e alergias alimentares. Essas duas são doenças imunomediadas e inflamatórias.

A doença celíaca é uma doença autoimune, em que pacientes geneticamente predispostos desenvolvem uma reação inflamatória com formação de anticorpos contra a proteína do glúten, trigo ou cevada. Essa reação inflamatória ocorre no intestino delgado, promovendo destruição e atrofia do epitélio intestinal. Gerando assim, nesses pacientes, quadro de dor abdominal, má absorção de carboidratos e até emagrecimento.

Desta maneira, embora os critérios de diagnóstico da SII sejam baseados em sintomas clínicos, a exclusão de patologias descritas acima é importante para o melhor manejo dos pacientes acometidos.

LABORATORIO FAZENDO EXAMES

Aqui estão os principais exames solicitados para complementar o diagnóstico:

  • Exames de intolerância a carboidratos (lactose, frutose);
  • Hemograma, perfil glicêmico, lipidograma, testes tireoidianos, provas de atividade inflamatória;
  • Testes sorológicos para doença celíaca;
  • Investigação de déficits nutricionais (vitaminas, perfil de ferro e eletrólitos);
  • Exames de fezes, parasitológicos, calprotectina fecal;
  • Teste expirado de H2 para investigação de supercrescimento bacteriano de intestino delgado, quando necessário.
  • Uma vez que os exames acima referidos sejam normais, a probabilidade de depararmos com a Síndrome do Intestino Irritável é alta.

A síndrome do Intestino Irritável é uma condição benigna com eventos de crises intercaladas por períodos de acalmia.

Porém, como dito nos tópicos anteriores, a Síndrome do Intestino Irritável pode mimetizar ou sobrepor a outras patologias.

Caso o paciente apresente sintomas de emagrecimento, anemia, dor na barriga contínua, despertares noturnos devido à dor ou à diarreia, provavelmente NÃO seja um caso de Síndrome do intestino Irritável.

Nesses casos, é PRUDENTE uma investigação mais detalhada, como a realização de exames de imagens como ultrassonografia, tomografias e endoscopias digestivas.

ALGUEM CHAMANDO ATENÇÃO

Outro fator importante! Pacientes acima de 40 anos, principalmente após os 45 anos, mesmo que não apresentem sintomas de alarme (emagrecimento, anemia, sangramentos…), devem realizar exames mais detalhados. Haja vista que a idade é um fator de risco para doenças mais complexas como o câncer.

IMAGENS DE REMEDIOS

A Síndrome do Intestino Irritável tem curso flutuante entre período assintomático (SEM DOR) a eventos de crises (COM DOR). O tratamento é baseado nos sintomas predominantes e incapacitantes apresentados pelo paciente.

A dor abdominal é um sintoma muito comum, podendo ser de caráter intenso.

Nestes casos, o uso de medicações analgésicas e antiespasmódicas tende a aliviar.

Porém, existem casos refratários em que o uso de medicações de ação neuromoduladora, como os ansiolíticos e antidepressivos, pode ser benéfico no controle dos sintomas.

O quadro diarreico pode ser manejado com uso de antidiarreicos como os depressores de motilidade ou a retirada de determinados carboidratos de alto poder osmótico.

 Na obstipação, os laxativos osmóticos (substâncias que levam ao amolecimento das fezes) tendem a ser preferidos aos laxativos de ação catártica (substância que acelera a defecação), devido à possibilidade deste último desencadear ou piorar a dor abdominal.

PESSOA FAZENDO CORRIDA

O tratamento não farmacológico deve ser realizado por todos os portadores. 

A mudança do estilo de vida é a principal medida a ser instituída. Vamos citar as principais:

  • Fazer uma alimentação saudável, diversificada, com boa qualidade nutricional, rica em fibras alimentares e vitaminas.
  • Ingerir líquidos de forma satisfatória, sendo que o mínimo para adultos é de 2 litros por dia.
  • Ter um sono reparador.
  • Realizar atividade física regularmente.
  • EVITAR extremos alimentares. Assim como uma dieta rica em carboidratos e gorduras irá trazer sintomas indesejáveis. Por outro lado, uma dieta restritiva, rica em fibras, irá acarretar sintomas de gases e inchaço abdominal.
FOTOS DE ALIMENTOS

A dieta adequada para tratamento da SII, na literatura, e que apresenta bons resultados na melhora da dor, flatulência e da diarreia, seria a dieta LOW FODMAPS.

Essa dieta se refere à redução ou suspensão do consumo de carboidratos fermentáveis. Geralmente, os nutricionistas orientam uma programação dietética em 3 fases: suspensão, reintrodução e personalização. Cada fase pode demorar de 4 a 6 semanas, sempre observando a melhora dos sintomas.

Os carboidratos fermentáveis estão presentes em uma série de alimentos que consumimos diariamente:

  • Lactoses: Leite e produtos lácteos. 
  • Frutanos: Trigo, centeio, cebola, alho, alcachofra, aspargos, alho-poró, ervilhas.
  • Galactanas (rafinoses): Leguminosas/feijões (grão-de-bico, feijão e ervilha) 
  • Frutose: Frutas como pera, maçã, manga e melancia. Mel, xarope de milho, marmelada, geleias e outros xaropes. Bebidas açucaradas/carbonatadas. 
  • Sorbitol: Cerejas, ameixas, pêssegos, abacate e maçã.
  • Manitol: Cogumelos e couve-flor.
  • Lactitol, xilitol, maltitol: encontrados em alguns adoçantes.

Trata-se de um plano de tratamento com muitas restrições, portanto, de difícil aceitação e adesão.  A avaliação do gastroenterologista ajudará a traçar uma estratégia mais adequada para o caso.  

               Ações que levam a uma melhor qualidade de vida são os pilares fundamentais para diminuir os sintomas da Síndrome do Intestino Irritável.

               Conhecer seu corpo, suas emoções, seus gatilhos alimentares são ações fundamentais para uma remissão sustentada dos sintomas do Intestino Irritável. Viva bem com você e com seu corpo!

Sou Dra. Roberta Amaral, gastroenterologista, com experiência há mais de 10 anos.

Formada pela Faculdade de Medicina de Goiás há mais 15 anos, fiz residência de gastroenterologia no serviço de gastroenterologia e hepatologia do Hospital das Clínicas da UFG.

Faço atendimento e tratamento de diversas doenças do trato digestivo, sendo a Síndrome do Intestino Irritável uma das queixas mais frequentes no consultório.

O manejo do Intestino Irritável é muito personalizado, cada indivíduo é único. Por isso, cada paciente tem uma estratégia diferente para o tratamento.

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https://journals.lww.com/ajg/Fulltext/2021/01000/ACG_Clinical_Guideline__Management_of_Irritable .11.aspx