O mundo hoje vive uma pandemia de obesidade e sobrepeso. A Organização Mundial de Saúde (OMS) relata que, atualmente, um em cada oito pessoas no mundo tem obesidade.
Mais de 40% da população mundial está com acima do peso. É alarmante o número crescente de crianças e adolescentes com obesidade e sobrepeso. Caso não haja medidas de controle para essa situação, os números nos próximos 12 anos tendem a quadruplicar, segundo algumas agências de saúde.
O consumo excessivo de carboidratos, gorduras, alimentos industrializados, associado ao sedentarismo, vem contribuindo com o surgimento de uma nova geração com síndrome metabólica.
O consumo alcoólico tem aumentado muito nos últimos anos, com até 27% dos homens com consumo de leve a moderado. Uma atenção maior é dada às mulheres e jovens, onde com o passar dos anos o consumo de álcool tem crescido de forma preocupante.
Bom, tantos dados alarmantes servem para chegar num assunto muito importante: a ESTEATOSE HEPÁTICA.
Afinal, o que é a esteatose hepática?
A esteatose hepática, ou popularmente chamada GORDURA NO FÍGADO ou DOENÇA HEPÁTICA ESTEATOTICA, trata-se de um acúmulo anormal de colesterol (gordura) intra-hepática, especificamente dos triglicerídeos (um tipo de colesterol), por um período prolongado, podendo desencadear uma disfunção metabólica, associada ou não a processos inflamatórios e de cicatrização (fibrose).
Como e por que a GORDURA DO FÍGADO surge?
A Gordura do fígado, DOENÇA ESTEATÓTICA HEPÁTICA, tem vários fatores desencadeadores, sendo os principais fatores associados são referidos a seguir:
- Diabete tipo 2
- Obesidade ou sobrepeso.
- Fatores associados à doença metabólica, como hipertensão arterial, dislipidemias (aumentos das taxas de colesterol na corrente sanguínea), hiperuricemia, resistência insulínica (pré-diabete), IMC >25.
- Sedentarismo.
- Consumo alcoólico.
- Infecções por hepatites virais (hepatite B e C)
- Síndrome do ovário policístico.
- Hipogonadismo
- Hipotireoidismo.
- Uso prolongado de medicações antiarrítmicas.
- Uso prolongado de medicações esteroidais (corticoides)
- Uso de medicamentos para tratamento do câncer de mama, como os antagonistas hormonais (trifeniletileno).
É sabido que qualquer insulto prolongado ao fígado pode gerar a esteatose hepática.
A Gordura Hepática gera quais sintomas?
Geralmente, a Esteatose Hepática NÃO gera sintomas. Porém, pode apresentar em algumas situações quadro de desconforto abdominal em quadrante superior direito e sintomas inespecíficos de fraqueza.
Quando esses sintomas estiverem associados à esteatose, infelizmente pode-se tratar de uma evolução não favorável da doença.
Como saber se eu tenho ESTEATOSE HEPÁTICA?
No nosso meio, temos um excelente exame não invasivo e acessível que é a ultrassonografia de abdome. Grande parte das pessoas só inicia uma avaliação hepática após realizado este exame.
Um fato importante é que NÃO devemos ficar presos em algumas qualificações do GRAU de esteatose descritas nos laudos do exame, porque muitas das vezes elas não correlacionam com a real lesão hepática e são operador dependentes, isso significa que terá variações do grau de esteatose de um mesmo paciente entre profissionais que realizam.
Uma vez ciente da presença da GORDURA HEPÁTICA pelo exame de imagem, é necessário a realização de uma avaliação médica com a coleta de histórico de doenças pessoais, estilo de vida, uso de medicações, consumo de álcool, histórico familiar e, por fim, a solicitação de exames laboratoriais. Os exames essenciais para avaliação e investigação das doenças hepáticas são:
- Hemograma.
- Função renal.
- Perfil de ferro.
- Glicemia em jejum e a glicada.
- Lipidograma.
- Ácido úrico.
- Função hepática.
- Sorologias virais.
- Pesquisa de doenças genéticas e autoimunes quando oportunas.
Feito isso e com os resultados, podemos estabelecer algumas causas da Doença Hepática Gordurosa e, sempre que possível, combater os fatores contribuintes.
Porém, uma pequena parte dos pacientes os exames são inconclusivos e, nesses casos, a realização de biópsia hepática poderá ser indicada.
Por que devo cuidar da ESTEATOSE HEPÁTICA?
Grande parte dos indivíduos portadores de Gordura Hepática NÃO terá uma complicação grave no fígado. Contudo, a Doença Hepática Gordurosa, quando de origem metabólica, principalmente, está associada a maior risco cardiovascular.
Assim, um paciente com gordura hepática tem uma chance maior de evolução para infarto do miocárdio (IAM) e acidente vascular encefálico (AVC), independentemente da idade.
Além do mais, uma parcela menor dos pacientes com esteatose hepática irá evoluir para alguns estágios de evolução da doença gordurosa hepática. Aí mora o perigo! Por diversos fatores ainda não totalmente compreendidos, alguns pacientes com Doença Hepática Gordurosa irão evoluir para outros caminhos, citados abaixo:
- Hepatite Gordurosa ou Esteatohepatite;
- Trata-se de um estágio inflamatório nas células hepáticas, com lesão ou necrose (morte) celular. Aqui, apesar de inflamado, o paciente não tem sintomas.
- Fibrose hepática – tecido de cicatrização no parênquima hepático;
- Nessa fase, nas grandes áreas de inflamação e necrose (morte) celular, inicia-se a formação de tecido cicatricial chamado de fibrose hepática. Essa temida fase de fibrose pode evoluir para todo o fígado, em alguns pacientes, levando à próxima fase.
- Cirrose hepática;
- O fígado nesta fase já se apresenta macroscopicamente reduzido, com superfície irregular, com muitas áreas de fibrose maduras, evoluindo com alterações vasculares próximo ao fígado e com repercussão sistêmica como a hipertensão portal.
Os problemas, lamentavelmente, não acabam por aí. Pacientes após iniciado a fase de cirrose podem evoluir no decorrer de meses a anos para perda da função hepática, com sobrevida bem reduzida e risco aumentado de câncer hepático, o hepatocarcinoma.
O objetivo do tratamento da doença gordurosa hepática visa diminuir o grau de gordura no fígado, parar o processo inflamatório e, se possível, reverter ou desacelerar o processo de cicatrização desordenado.
Como tratar a GORDURA HEPÁTICA?
Uma vez estabelecida a causa da doença hepática gordurosa, o tratamento visa à retirada ou controle dos fatores desencadeantes.
Como a causa mais comum de doença hepática gordurosa se deve à síndrome metabólica, irei aqui priorizar os tratamentos da doença hepática gordurosa de causa metabólica.
A síndrome metabólica é um conjunto de sinais clínicos e laboratoriais que geram um risco aumentado de doença cardiovascular. São eles:
- Obesidade, sobrepeso.
- Hipertensão arterial.
- Dislipidemia, notadamente alterações de triglicerídeos.
- Resistência Insulínica (estado de “pré-diabetes”)
Os tratamentos dos fatores acima contribuem para a melhora da esteatose, da inflamação e, dependendo, até da fibrose.
Para perda de peso, dois aliados NUNCA devem ficar de fora:
- Atividade física regular e
- Dieta balanceada.
A constância desses dois aliados deve ser mantida mesmo quando as metas sejam atingidas!
Em pacientes com diabetes tipo 2, o bom controle glicêmico deve ser feito, juntamente com os outros fatores de riscos, se assim tiverem. O uso de medicações antidiabéticas como as pioglitazonas e os inibidores de GLP-1 vem ao encontro da normalização das alterações hepáticas.
O tratamento do colesterol elevado com o uso das estatinas é uma ótima medida. O uso de Vitamina E por tempo limitado e sob orientação médica, tem evidência positiva caso o paciente apresente quadro comprovado de inflamação hepática. Isso só é possível após avaliação histológica de uma biópsia hepática.
Que tipo de dieta e atividade física devo fazer?
A dieta melhor e mais citada é a do mediterrâneo, porque se trata de uma alimentação rica em fibras, vegetais, proteínas magras e frutas.
Mas, antes de falarmos de uma dieta aparentemente longe, economicamente, da nossa realidade alimentar brasileira, qualquer alimentação SAUDÁVEL se encaixa na “dieta adequada” para controle da doença hepática gordurosa.
O Brasil tem uma variedade de frutas nativas ou de produção local e de diversos vegetais. O importante é fazer boas escolhas que caibam no seu bolso, afinal, a dieta será um aliado fundamental na mudança de estilo de vida.
Outro pilar importantíssimo é a realização de atividade física REGULAR. Qual atividade é melhor?
A atividade melhor é aquela que você consegue fazer com regularidade, obviamente respeitando seus limites físicos. A frequência de atividade deve ser no MÍNIMO 150 minutos semanais ou 3x/semana.
Obviamente, atividades de resistência, como a musculação, associadas a atividades ergométricas (como caminhar, correr, pedalar, praticar esportes …), são os ideais não somente para controle da doença hepática gordurosa, mas também para a melhora da resistência cardiovascular e ganho de massa muscular.
Como devo prevenir a doença Gordurosa Hepática?
Se você não tem Doença Hepática Gordurosa, mas tem fatores de risco para tal, como estar acima do peso, sedentária, com alterações glicêmicas, modifique seu estilo de vida e corrija estes fatores alterados.
Caso NÃO tenha fatores de riscos, mantenha uma vida SAUDÁVEL, com alimentação adequada, sem exageros, pratique atividade física regular, durma bem, evite excessos alcoólicos e realize rotinas e prevenções médicas com regularidade.
Não existem medicamentos, ervas naturais e procedimentos que são milagrosos. Fazer o básico e bem feito é o melhor caminho a ser seguido.
E a bebida alcoólica, devo parar?
Com base em um estudo sistemático realizado pelo Estudo da Carga Global de Doenças de 2016, publicado na revista Lancet, e reforçado por Diretrizes da Sociedade Americana de Câncer, NÃO EXISTE dose de álcool segura para a saúde. Desta forma, qualquer dose está associada a doenças, principalmente ao câncer.
Mas, você sendo ciente de sua saúde, das suas escolhas e do que você consome, deve-se saber que a quantidade de álcool associada ao dano hepático está acima de 50g/dia de álcool para mulheres e acima de 60g/dia de álcool para homens.
Porém, dosagens menores de álcool, como 20-30g/dia para mulher e 30-40g/dia para homens, sobrepostas a uma doença hepática de origem metabólica, TAMBÉM se associam a dano hepático e os riscos maiores de evolução para uma doença mais grave, que é a cirrose. Para a gente ter uma ideia, a ingestão de 2 latas de cerveja pela mulher por dia e de 3 latas pelo homem já pode levar à Doença Hepática Gordurosa.
Então, seja consciente na hora de fazer uso de bebidas alcoólicas, mesmo que “socialmente”. Cuide de seu fígado, cuide bem de sua vida.
Posso ter esteatose hepática sem nunca ter bebido e não estar acima do peso?
Sim, a Doença Hepática Gordurosa é uma lesão hepática decorrente de vários insultos. Insultos esses que podem ser isolados ou se sobreporem no surgimento da doença hepática.
Assim, existe esteatose hepática na hepatite autoimune, na doença de depósito como a hemocromatose (doença genética de sobrecarga de ferro) e na Doença de Wilson (doença rara genética de sobrecarga de cobre orgânico), além de estar presente nas doenças virais como a hepatite B e C.
Existem ainda pacientes com padrão estético magro, porém portadores de doença metabólica gravíssima. Nesses casos, temos como exemplo as pessoas com lipodistrofias hereditárias, onde o padrão de acúmulo de gordura é predominantemente visceral, com fenótipo de pernas e braços magros, mas com aumento do volume abdominal. Esses pacientes podem apresentar poucas alterações laboratoriais, porém já são portadores de esteatohepatite e até de fibrose hepática.
Trata-se de um grande desafio, porque aquilo que não é visto, muitas vezes não é lembrado. Isso significa que essas pessoas de padrão fenotípico magro podem passar desapercebidas por nós médicos em relação ao diagnóstico de doença hepática gordurosa. E, além disso, o próprio paciente, por se considerar “magro”, deixa de fazer avaliações médicas regulares.
Nos últimos anos, vem sendo estudado polimorfismo genético associado à doença hepática gordurosa do tipo metabólica, o gene PNPLA3 principalmente. Este gene está associado ao risco aumentado dos pacientes desenvolverem ESTEATOSE HEPÁTICA e à grande possibilidade de evolução para as complicações como inflamação e fibrose.
O teste genético do gene PNPLA3 já vem sendo fornecido por laboratórios de análises genéticas e tem sido uma importante ferramenta para seguimento dos pacientes com esteatose hepática. É um exame de fácil realização e é bem indicado para aqueles pacientes com histórico familiar importante de ESTEATOSE HEPÁTICA e CIRROSE.
Eu posso ter cirrose e não sentir?
Infelizmente, sim! A cirrose hepática, quando descompensada, apresenta sintomas bem característicos, como:
- Amarelão na pele, nas mucosas e na esclera do olho (parte branca do olho), chamado icterícia.
- Perda de peso inexplicada.
- Fraqueza e indisposição.
- Surgimentos de pontos vermelhos em regiões do corpo, notadamente em região peitoral, semelhantes a pequenas “aranhas”.
- Sangramento digestivo (vômitos com sangue ou fezes moles enegrecidas);
- Confusão mental;
- Crescimento do abdome devido ao acúmulo de líquido, chamado de ascite.
Contudo, tais achados são apenas a ponta do iceberg. Existem muitas pessoas com cirrose hepática, porém ainda sem sintomas evidentes e, portanto, sem diagnóstico.
Então, fazer avaliações hepáticas é mandatório nos cuidados de rotina da saúde, principalmente se você tem fatores de risco para desenvolver doença hepática gordurosa.
NÃO espere ter sintomas para procurar um médico especialista.
Afinal, se eu tiver cirrose, quais os próximos passos?
Embora a fase da CIRROSE seja o desfecho final que nenhum médico gostaria que acontecesse, há muito a se fazer para impedir a evolução para fases descompensadas ditas anteriormente, como líquido na barriga, hemorragias e perda de peso.
Com o bom controle dos fatores de risco para esteatose, podemos ofertar uma maior sobrevida a esses pacientes. E, além do mais, pode acontecer da doença estabilizar e não evoluir para as descompensações.
Para isso, novamente, colocamos aqui o combate ao fator agressor que levou à doença hepática. Controle da diabetes, do colesterol, suspensão da ingesta alcoólica e perda de peso se estiver acima da normalidade.
Outras ações são necessárias, como a realização de seguimento regular desses pacientes com o hepatologista. A cirrose, além de suas complicações, é fator de risco principal para hepatocarcinoma, um tipo de câncer hepático.
Uma vez haja a evolução para descompensações hepáticas ou aparecimento de câncer hepático, que geram um impacto negativo da sobrevida desses pacientes, o transplante hepático é uma grande oportunidade de tratamento e cura.
Para que o paciente seja apto a entrar na fila de transplante, o mesmo, quando indicado, passa por uma equipe responsável pelo transplante. Cada região do Brasil tem uma equipe responsável. O serviço de transplante é GRATUITO pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Ficou com dúvidas? Posso te ajudar?
Sou Dra. Roberta Amaral da Silva, gastroenterologista com área de atuação na hepatologia, formada na especialidade há mais de 10 anos.
A doença hepática gordurosa é desafiadora. Atualmente, disponibilizamos várias opções de tratamento para controle da doença. E com certeza, com o avançar da ciência, iremos encontrar um caminho que seja bom e acessível a todos.
Realizo atendimentos particulares, faço avaliações de doenças hepáticas e, se necessário, realizo biópsias hepáticas.
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